segunda-feira, 25 de julho de 2011

MÁRCIO SNO - PERSEGUINDO O UNDERGROUND

(Por Diego El Khouri)

Pra quem quer conhecer um pouco sobre a lógica dos fanzines e mergulhar nesse reino labiríntico da cultura alternativa é só conversar com Marcio Sno. Envolvido nesse tipo de linguagem desde o começo dos anos noventa, nesse ano lançou o documentário Fanzineiros do século passado, que é um painel de algumas pessoas que estiveram envolvidas em  fanzines nos anos noventa e também a síntese do que é ser underground.



Pra começar, diga para os leigos no assunto o que seria fanzine.

Essa pergunta me faz ir lá no começo dos anos 1990, quando eu me deparei com a palavra “fanzine” e não sabia do que se tratava, pois não tinha a opção de digitar a palavra no Google e achar o significado. Tive que adquirir um para saber. Ou seja, aprendi o que era fanzine in loco.
Bem, fanzine, a grosso modo, seria uma publicação independente, geralmente impressa em copiadoras, grampeada e distribuída de forma alternativa via correio, de mão em mão ou mesmo deixado em algum lugar para as pessoas pegarem. Nessas publicações são divulgados artistas pouco ou nada conhecidos, sem necessariamente respeitar uma linha editorial ou estar preso à alguma instituição. Logo, a liberdade de expressão é característica fundamental de um fanzine. Resumindo: um veículo de comunicação independente.

Você está envolvido na produção de  fanzines e divulgação de arte desde o começo dos anos noventa. De lá pra cá o que mudou na forma de  criar fanzines?

Muita coisa. Antes, a comunicação era feita quase exclusivamente via correio, logo, tudo era mais lento e os recursos financeiros e de equipamentos eram muito ralos e talvez essas sejam as principais diferenças.
Hoje, com o advento da internet, tudo é muito mais rápido e a acessibilidade a computador e impressora hoje é muito mais comum que antes. Logo, hoje só não faz zines quem não quer!
O cara hoje pode editar tudo no computador, salvar em pdf e distribuir via e-mail ou colocar em algum blog para o pessoal baixar. Isso sem praticamente ter algum gasto e sem ter algum contato manual com o material que produz. Veja você que coisa curiosa isso: sem contato manual!
Apesar da lentidão da comunicação e distribuição via carta, éramos muito mais unidos que hoje na era digital. Se bem que venho notando que esse quadro está mudando para melhor.
Apesar dessas facilidades tecnológicas, hoje ainda tem umas pessoas que insistem no formato impresso, porém, sempre apoiado com recursos do computador, que aliás, não temos nem como escapar disso. Vejo muitas publicações surgindo e outras resistindo por muitos anos (como no caso do QI, de Edgard Guimarães e o Aviso Final de Renato Donisete) e ainda outros que utilizam de recursos manuais especiais (como o Rodrigo Okuyama do La Permura! que utiliza estêncil, tetra pack e costura) que, além de dar um charme todo especial para a publicação, torna a aquisição do formato físico indispensável. Na minha opinião, acho que a forma adotada por Okuyama seja um importante representante para o futuro dos zines em papel.

Como era o processo de divulgação dessas revistas no começo dos anos noventa sem o auxilio da internet?

Via carta, sempre! Também mandávamos os fanzines para revistas como Rock Brigade, Rock Press, Dynamite, Top Rock, que divulgavam e a galera escrevia. Meus zines também foram muitos divulgados em cadernos jovens de grandes jornais daqui de São Paulo.
Em shows, eventos, manifestações... Em reuniões de amigos sempre rolava a costumeira permuta.
Também via carta rolava os flyers, que eram uma espécie de cartão de visitas, que lá tinha o nome do zine, o que tinha, o preço e endereço pra galera escrever. Eu mandava uns dez para um amigo e ele repassava para os outros amigos dele. E assim ia espalhando pra todo mundo. Era um método muito eficiente, pois chegou uma época em que eu não escrevia mais para ninguém, as pessoas que viam meu flyer e escreviam. Recebi cartas do Brasil todo e de diversos países, inclusive, já recebi cartas até do Alasca por causa dos flyers.

Alguns estudiosos apontam para o fim do livro impresso. O fanzine também passará a ser apenas virtual? O impresso perderá espaço para os blogs?

Posso usar um exemplo um pouco mais amplo. Quando surgiu a televisão, os céticos da época decretaram o fim do rádio. No entanto, até hoje o rádio tá aí, décadas depois. Portanto, acho que essas profecias, na verdade, são balelas.
Claro, não tem como negar que a produção de fanzines diminuiu consideravelmente com internet, mas não acho que o impresso vai acabar. Mesmo porque, mesmo com a popularização da informação, boa parte da população brasileira não tem acesso aos meios de comunicação virtuais.
Além do mais que está rolando uma retomada da produção impressa, ainda mais pelo fato de os fanzines terem se transformado em ferramenta pedagógica e usado muito em projetos de educomunicação.
Acho que ao invés de ficar prevendo fim disso ou daquilo, esses estudiosos deveriam ver pontes para os formatos de comunicação caminhassem em harmonia, acho muito mais importante esse ponto de vista do que ficar decretando o fim do formato.

Como conciliar a vida cotidiana, rotineira com a vida na cultura alternativa?

É difícil. Ainda mais quando se tem um trabalho e uma família para sustentar. Afinal, cultura alternativa não coloca comida no prato e tampouco paga contas. Não é sempre que a companheira entende a ideia e a satisfação que dá produzir algo conduzido puramente pelo prazer de fazer. Acho que só quem produz algum produto cultural alternativo entende o que é isso.
Muitas vezes tenho que aturar cara feia por semanas simplesmente pelo fato de eu chegar em casa e me dedicar a uma produção alternativa, ou mesmo ter que abrir mão do meu tempo livre para captar imagens para o documentário, por exemplo.
No meu serviço costumo separar bem o que eu faço fora de lá, se bem que muitas vezes as duas ocupações se cruzam como nas vezes em que dei oficinas de fanzines. Acho que a relação do meu serviço com a minha produção alternativa é muito mais harmônico que em casa.
Mas continuo resistindo, afinal, se eu viver sem isso, minha vida não terá a mínima graça. Vale o esforço.

Você esteve (e está)  envolvido em vários projetos ao longo de sua carreira artística. Chegou a fazer um fanzine polêmico chamado Pleasure, em 1993, onde aparecia na capa um homem nu. Uma das grandes diferenças do fanzine com a mídia tradicional é justamente  essa, a liberdade total de expressão. Em algum momento foi vítima de censura?

No caso do Pleasure, eu quis mesmo polemizar, quebrando barreiras, pois naquela época não haviam revistas brasileiras com nu masculino e eu, mesmo não sendo homossexual, fiz questão de colocar essa imagem na capa. Imagine como foi pra mim comprar uma Playgirl na banca de jornal...
Apesar dessa polêmica toda, nunca sofri nenhuma censura por causa dessa minha audácia.
Já me encheram o saco duas vezes, mas por questões ideológicas. Em uma delas, foi quando publiquei um texto sobre straight edge (mesmo eu não concordando totalmente com a ideia) que foi escrito por João Veloso Jr, que não era straight edge. Os radicaizinhos da época acharam aquilo algo infame e passaram a criticar.
Na outra vez, foi quando publiquei um texto do Glauco Mattoso que falava sobre a S.H.A.R.P. (Skin Heads Against Racial Prejudice) e a “polícia do underground” achou ruim, pois achava o Glauco uma pessoa “perigosa”, pelo fato de ser o tradutor do livro “A bíblia skinhead”. Quem conhece o Glauco, como nós conhecemos, sabe que as únicas armas dele são as palavras e a língua.
Como pode ver, são coisas imbecis que até hoje não vejo sentido nisso.


No momento que a cena alternativa volta a todo vapor com inúmeras exposições de arte alternativa (aquela sem o apoio da mídia convencional)  acontecendo Brasil todo, você lança o documentário “Fanzineiros do século passado”. Nos fale sobre essa película.

Poisé, há uma ebulição de manifestações em prol da produção de fanzines impressos e o documentário faz parte dessa onda toda.
A ideia desse doc surgiu em meados de 2010, quando percebi que não haviam produções audiovisuais que abordassem exclusivamente o assunto.  E a vontade de produzir ganhou mais forças com as conversas que tive com o José “Zinerman” Nogueira, do clássico Delírio Cotidiano. Resolvi tomar a iniciativa e fiz um chamado para meus contatos via internet, convidando para fazermos a parada.
Sabia que não seria fácil, mesmo porque o pessoal que produzia zines até a década de 1990, hoje tinham outras responsabilidades familiares e profissionais.
Lancei o capítulo 1 abordando sobre a produção de antigamente, feita em máquinas de escrever, recortado, colado etc e tal, e também sobre a rede social que se constituiu por intermédio do correio.
O lançamento foi no “1o Ugra Zine Fest” e foi um sucesso total. Distribui 200 cópias físicas e botei na internet para quem quiser assistir e/ou baixar. Tudo isso sem ter um centavo de retorno.
Fiz tudo no velho esquema dos zines: botando a mão na massa, no bolso, aprendi a filmar, editar, fui lá e fiz. Não poderia ter dado certo de fosse de uma outra forma.

No livro O que é fanzine de Henrique Magalhães publicado pela Editora Brasiliense, ele faz uma análise diferenciando a revista alternativa com o fanzine, dizendo que os dois mantém o mesmo enfoque, muitas vezes o mesmo público, porém a parte de composição e edição dos mesmos é diferente. Você vê essa diferença ou tudo que se produz fora da mídia é alternativo?

Ambos são alternativos. Porém, como o grande mestre Henrique disse, têm características diferentes.
Não deveria, mas tudo que está fora da mídia, acaba se tornando alternativo. Afinal, conceituou-se em dizer que só o que está na mídia é o que vale ou que tem valor. Acho isso patético, mas compreensível, visto pelo ponto de que a TV faz a galera engolir o que ela quer e as pessoas, por sua vez, acomodaram-se com esse ciclo vicioso.
Particularmente, eu valorizo muito mais o alternativo, mesmo porque sempre fui atrás daquilo que gosto, sem ficar esperando que o Faustão ou a rádio Transamérica me oferecesse. Sempre fui atrás do que gosto e posso dizer, com toda certeza, de que os fanzines me apontaram os melhores caminhos.

E a ONG onde trabalha? Qual a função dela e em que áreas ela atua?

Trabalho no Núcleo de Cultura & Lazer da Ação Comunitária (www.acomunitaria.org.br) há quase 14 anos. É uma vida. Conheci muita gente e aprendi muito com meus companheiros de equipe técnica e os educandos atendidos por nós.
Atuamos com programas socioeducativos de educação infantil, complementar e capacitação para o trabalho. E a função do meu Núcleo é colocar atividades culturais nesses programas em organizações parceiras espalhadas pela zona sul da capital paulista. Atendemos, em média, 6 mil crianças, adolescentes e jovens por ano. A nossa intervenção e contribuição pedagógica tem um impacto muito grande na formação do nosso público.
Apesar de ter problemas como todo serviço tem, é muito gostoso trabalhar nessa ONG.

Os primeiros fanzines que surgiram eram todos voltados a ficção científica. No Brasil inclusive o primeiro fanzine pertencia a um clube que se chamava o Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond, em Porto Alegre. Hoje a diversidade de temas é maior devido apenas a internet ou o fanzine  a partir da década de oitenta passou a ter uma cara (pelo menos na composição) de algo profissional embora ainda assim sem fins lucrativos?

Há pesquisadores que apontam que o primeiro fanzine brasileiro foi o Ficção de Edson Rontani. Mas não pretendo dar corda à essa discussão pois, sinceramente, não me apetece.
Na verdade, já desde os anos de 1980, as temáticas dos fanzines já eram bastante diversificadas. Na década seguinte, isso ampliou ainda mais com a popularização dos fanzines. E nessa época já tínhamos fanzines muito profissionais, editados de forma mais limpa e com cara mais aproximada de revistas, mesmo com conteúdo dos fanzines.
Lembro quando saiu o fanzine Drowned, de Bruno Furnari, todo diagramado em computador em uma época em que pouquíssimos tinham uma máquina dessa no serviço, tampouco em casa. Foi um sucesso! Todo mundo queria fazer um zine como aquele!
Mas também tínhamos outros muitos fanzines mais profissionais, afinal, a galera sempre queria seguir para frente. Seguir em marcha ré talvez seja algo nada interessante em qualquer coisa que a gente faz, né?

Pra terminar, o que os zineiros podem esperar de Márcio Sno nesse ano de 2011?

Olha... De mim, sempre pode esperar alguma coisa, pois sou meio maníaco em estar sempre fazendo algo. Sempre me envolvo em algum projeto, apoiando, divulgando, fazendo... Talvez seja o que se conceituou em chamar de workaholic. Acho que sou um underground workaholic.Ma logo de cara, posso dizer que estou preparando um fanzine autobiográfico, inspirado na técnica utilizada por Elydio dos Santos Neto, no qual haverá algumas entrevistas comigo, desenhos meus perdidos nas gavetas e alguns textos que ainda vou fazer.Continuarei na divulgação do doc, botando pra ser exibido em diversos lugares.Também devo lançar nesse ano ainda o segundo capítulo do “Fanzineiros do Século Passado”, mas lá pro finalzinho do ano.Tenho outros projetos combinados com alguns amigos, mas ainda não posso falar nada a respeito. Quando tudo estiver mais concreto, todo mundo saberá, não tenha dúvidas!Muita coisa ainda vai rolar. Eu sou muito imprevisível. E vice versa.

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