domingo, 2 de outubro de 2011

MARCOS ALVES LOPES- O CACHORRO MALDITO

(Por Diego El Khouri)

Marcos Alves Lopes, o "Cachorro Maldito". Dono de uma fala tranquila porém ácida, esse poeta polêmico perambula pela grande Goiania lendo seus versos e divulgando sua arte sem nenhum tipo de receio. Seu primeiro livro,o " Gozo desmedido", está pra sair. Poderia fazer um ensaio sobre sua obra, mas ninguém é melhor do que ele mesmo para falar de sua poesia. Diz aí Marcos, solta o verbo:

No campo da poesia o que podemos destacar de Marcos Alves Lopes?
Que até agora houve muito gozo através da escrita. Alguns insistem em chamar esse gozo desmedido de poesia, outros preferem chamar de coisa qualquer, exceto poesia. Quanto ao destaque no campo poético, não tenho muito a contribuir, uma vez que a poesia é um efeito causado em mim mesmo, e, por simbiose(ou não!), nos leitores. Portanto, quem melhor pode dizer das contribuições de Marcos Alves Lopes são os próprios leitores, que estão sempre acompanhando as constantes oscilações da escrita. O que é possível dizer é que nessa escrita desmedida há um apreço grande pelades/forma; desforra a toda estagnação poética (se issodestaca, destaque isso).

Sua poesia despertou quando você passava um problema sério de saúde. Conte-nos essa experiência.
Na verdade, a poesia não começou depois de um problema de saúde, ao contrário, a úlcera duodenal serviu como material poético, assim como o sequestro sofrido aos quatorze anos. Associo a úlcera à composição artística, pois fiz da dor, esse vulcão escondido internamente, suporte à criação. Na concepção do poetador, o desprazer e o prazer estão na mesma carne da moela -  a criança sofre com a mesma intensidade que sorri. Nós, adultos, entretanto, vivemos submetidos à ideia de bem-estar e nem sequer podemos reservar alguns segundinhos de vida ao sofrimento. Não há dúvidas que são os ditames morais que nos aprisionam em formas que não se sustentam nem no mais tolo mortal. A úlcera aberta representou um objeto de gozo, o que possibilitou a criação artística - não é à toa que há vários poemas com essa temática. Nessas circunstâncias foi cunhado o termo “poetador”, isto é, o gozo a partir do desprazer. A poesia da dor talvez seja a face mais sublime da angústia! Não se trata de uma queixa, mas uma construção nova a partir do objeto “dor”,e que só pode se dar via linguagem. Assim, tanto o sequestro quanto a úlcera aberta formam um rico arsenal ao poeta, um rico arsenal que traz como estandarte a linguagem.

Um tema recorrente aparece em sua poesia, a merda. E, na sua arte,  ela se apresenta de duas formas. A merda maiúscula e a minúscula. Defina-nos essa diferença.
Há merda e MERDA. Diria que a melhor definição para essa merda toda está nos poemas criados. Vai ser lançado em outubro de 2011 um livreto, pelo projeto Letra Livre, chamado “Um atentado, quem sabe”. Nesse livreto (de vinte poemas), recrio as possibilidades de um atentado através do resto, isto é, da MERDA. Os restos de cada sujeito seriam uma maneira de reinvenção! Não sei conceituar com precisão a “merda”, embora ela sempre esteja presente. Todavia, prefiro ver no bagaço da laranja arremessado contra a parede esse resto que nos resta. Afinal, como diz Marcos Alves Lopes: “Do caos, só a MERDA restou!”.
Você acha possível viver só de arte?
É possível viver dos restos? No bagaço caído pode haver bem mais caldo do que na laranja virgem deixada no fruteiro. Ah, as virgens são tão desinteressantes!

Muito novo, você já era professor e inclusive enfrentou manifestações, greves etc. Você, que está inserido no meio da educação de uma forma ou de outra, como vê o ensino no país?

O apreço pelo resto é uma viagem sem volta! O poetador passa por situações muito parecidas com a do professor. Isso porque ambos estão em contato com os restos sociais. Essa talvez seja a sacada da metáfora da “merda”, já que todos fazem da merda algo a ser escondido. A educação não foge disso! Os exames (prova imbecil, melhor, prova Brasil) estão aí para maquiar os dados, talvez por isso haja preparatório para esses testes. Ser professor é enfrentar todos aqueles que tentam esconder o caos da educação; é acordar cansado e dormir morto, e mesmo assim procurar uma maneira de gozar! Uma pergunta possível seria: é possível viver da docência? Fazer greves, participar de manifestações é praticamente um dever a quem percebeu que mesmo diante do maior caos, a MERDA restará.


Você costuma dizer que dentro da escala evolutiva você é um cachorro. Por quê?
Os cães são mais interessantes que os mor(t)ais (entendam humanos). Isso porque os cães não escondem os instintos animalescos que os governam. Os seres ditos humanos criaram uma redoma e a chamaram de “humana”. A partir daí, as religiões, a família, o Estado, fizeram questão de fincar o estandarte da falta de tesão, crivando o ser por águas do “humano”. Mas há os imortais ou imorais (imor(t)ais) que, apesar do corpo humano, vivem sem camuflar o desejo. Os cães em forma de gente!...

Quase todo mês você promove um sarau de poesias na casa do escritor marxista Ney Gonçalves, na cidadechamada Santo Antônio de Goiás, um pequeno interior. Aideia é difundir a arte nas pequenas cidades ou simplesmente fugir um pouco da capital?

A ideia principal é reviver o tempo do útero canino. Ir a Santo Antônio de Goiás é encontrar com diversos cães que habitaram o recinto perdido. Contudo, fazer caridade é um tanto perigoso, então, esse papo de levar bobos ao sarau satisfaz somente aos cristãos. Vai quem tem sede de poesia! O convite é aberto e gratuito, mas puxar pelas mãos de quem há muito já as perdeu, soa como ironia humana.

Você fala sobre"o pau interior que a mulher tem dentro de si". Umas tem um enorme falo interno, outras, um pequeno. Explique-nos melhor essa teoria polêmica.

Para começar, não existe a mulher. O que há é a-mulher, e pronto! Cada uma possui uma forma distinta de compreender a existência, assim, seria estranho dizer “a mulher”. No lugar de usar o artigo definido “a”, prefiro fazer desse “a” um prefixo de negação. Mulher ou homem é uma questão de linguagem, uma questão de identificação que vem desde os primeiros anos de vida. Dessa forma, ninguém nasce homem ou mulher! Mas, sendo mais objetivo: entendo que cada mulher tem um poder intrínseco a ela. Quando é dito de um “falo interno”, digo sobre a possibilidade de cada uma ser uma nova mulher (esse poder intrínseco não é aleatório, ao contrário, é uma herança cultural que várias mulheres herdaram). A biologia corrobora com essa metáfora do falo interno, uma vez que as mulheres não possuem um canal vaginal do mesmo tamanho, assim como um homem se difere de outro, fisicamente, pelo tamanho do pé, das mãos, do falo. Penso que “Falo” seja uma palavra apropriada para dizer do poder da mulher, já que “falo” está diretamente ligado à linguagem, à fala. O maior poder de dominação feminina está na colonização via fala. Assim, muitas mulheres exercem o poder controlando o dizer do homem e da mulher (a força do homem pode ser a linguagem da mulher!). Indago: por que dizer “falo” incomoda tanto?

O que você diz das mulheres, principalmente as feministas da “turma da esquerda”, o chamarem de extremamente machista, tendo como base sua poesia?

M. Lopes costuma gozar desmedidamente dessa “turma de esquerda”. Antes de tudo, a esquerda é muito interessante, muito!Vou além: a esquerda de fato não me lê como problema; marxistas e anarquistas compreendem o que digo geralmente. Melhor, a esquerda que luta por uma sociedade sem Estado, que não faz parte de religião ou partidos políticos, geralmente compreende meus escritos. Entretanto, essa “turma de esquerda” que costuma me pintar de machista ou reacionário são pessoas (a maioria) integrantes de partidos de direita, como o PT,PCdo B ou outras porcarias por aí, até mesmo porque no Brasil não há partidos de esquerda. Desprezo esses que veem nas eleições a saída cristã para as almas escarnecedoras. Ainda, essa turma partidária criticou bastante o politicamente correto, entretanto, foi criado o próprio arcabouço do policialmente esquerdo. É extremamente perigoso esse controle exacerbado da linguagem: dizer “pau” é considerado um discurso machista! Ah, poeta aprisionado ao discurso de casta? A turminha da salvação (inclua todos os partidos e religiões possíveis) cria novos vocabulários para o policialmente correto e, o pior, é que geralmente os poetas são policiados.  

No sarau de poesias ocorrido na Revirada Cultural, nesse ano (2011), em Goiânia,a poetisa Anna Alchuffi leu um texto de sua autoria chamado “Goiano pau no cu”, que causou diversas reações, como um tapa no rosto da moça e processo na justiça. O que achou dessa reação e qual sua opinião sobre o assunto?
Interessante! O que sai da monotonia é escasso, e traz reflexão! O fato de alguém ser agredido por um texto qualquer é algo a se pensar. Alguém que conhece o teor do que está escrito ir à frente e ler o texto (mesmo sabendo que estava em frente a um bar) também é interessante. Anna foi completamente corajosa de ler esse texto num espaço repleto de goianos. Agora, um fator interessante nessa coisa toda é que quem bateu nela não era goiano e, sim, paulista. Ou seja, o goiano continuou como diz o texto: [...]boa parte dos goianos estrutura os próprios argumentos pelas metades, todavia, não o faz perante público; estão sempre a analisar o discurso alheio (melhor, fofocando sobre o outro), jamais propagam livremente o que querem dizer. É por isso que normalmente comparece essa fala-de-canto, repleta de sorrisos tortos, deboches, chistes etc. Uma linguagem pau no cu! [...]
Esse texto foi muito mal interpretado. Primeiramente, quiseram acusar o autor de não ser goiano. Quanto a esse argumento é triste dizer que a condição pau no cu não está somente nos goianos, não! Definitivamente, nossa composição cultural nos impeliu a essa condição frustrante. Mineiros, goianos, cariocas etc. possuem menor ou maior possibilidade de ser pau no cu, mas dificilmente fogem dessa realidade. Melhor seria se lessem o texto e tirassem as próprias conclusões:http://marcosalveslopes.blogspot.com/2011/08/pau-no-cu-goiano.html


O poema “Pai Nosso”, que sempre abre os saraus de poesia noCentro Cultural Goiana Ouro e que virou símbolo do selo independente Letra Livre, foi parar nos ônibus. Um sarau promovido pelo produtor cultural Kaio Bruno dentro do eixão. Qual a reação dos passageiros  ao ouvirem  o poema, levando em conta que o ônibus é um dos lugares mais cristãos da sociedade?
Pai nosso que estais terra
Profanado seja vosso nome
vem a nós, nosso reino
Seja feita nossa vontade
Na terra ou em qualquer lugar

Os desejos de volúpia nos dai hoje
Perdoai nossas crenças
Assim como fingimos acreditar em vós
Deixai-nos em plena tentação
Mas tirai-nos da mente a tola ideia do inferno
Amém

Enquanto houver a insistência fanática do cristianismo, haverá o Pai Nosso! É difícil falar sério de poesia com alguém que quer salvar o outro...  Salvação é o dejeto de cada um, ou seja, é deixar a condição canina comparecer sem medo. Desde quando comecei a participar do sarau Letra Livre, organizado pelo amigo Kaio Bruno, venho insistindo em dar uma conotação pagã ao evento, talvez assim, outros se sintam mais acolhidos naquele lugar. Declamar o “pai nosso” no ônibus mais lotado de Goiânia (Eixo Anhanguera) é possibilitar uma reflexão sobre o assunto pouco mencionado, religião. O que muito incomoda é dizerem que “religião e futebol não se discutem!”. Mera tolice de mor(t)ais! A recepção dos passageiros foi surpreendente, apesar das caras e falas tortas, somente uma senhora quis me bater até hoje. Todos conseguiram me ouvir! O que deve ser interessante é a produção estabelecida a partir dali... Como deve ser o processo depois que o grupo sai do ônibus.

Devido o advento da internet você chegou afazerpoemas em parceria com escritores de fora, como a poetisa Cacau Cruz. A Interneté sim a grande revolução desse século? O livro impresso deixará de existir?

Nesse momento pós-pau duro, tem lugar para tudo, até para o livro. 
As parcerias com pessoas de outros estados são importantes, pois possibilitam a onipresença do poeta. Além disso, várias novas ciências de bar são introduzidas ao fazer poético a partir dessas conversas com Cacau Cruz, Alexandre Mendes etc.

Seu livro de cabeceira.
Gozo desmedido.

A visão que tem de Deus.

É melhor rezar o Pai nosso!

O amor:
Amor de um é a masturbação de vários!
.
O tesão:
Vem sempre subsequente
não se satisfaz completamente
ou
Bole
bole
que bolina
a mais santa das meninas

Pra encerrar, fale-nos sobre seu primeiro livro, o “Gozo desmedido” e de seus novos projetos.

É preciso ler o livro e, quem sabe, gozar desmedidamente! Quanto aos projetos, há parcerias boas com alguns poetas, além disso, a participação do projeto “Literatura no Eixo” vem propiciando uma nova forma de ouvir as demandas dos sujeitos contemporâneos. Estar nesses projetos é aproximar Marcos Alves Lopes de mim.