quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A ARTE INTENSA DO ARTISTA VISUAL JOÃO MARQUES

Por: Diego El Khouri 

Direto de Portugal,para as páginas vertiginosas desse blog,o artista João Marques. Residente de Sesimbra, uma vila portuguesa pertencente ao Distrito de Setúbal, esse grande "cientista das cores" me concedeu essa entrevista que posto aqui na íntegra:


1- Você surge como artista plástico em finais de 2009. As bases do seu trabalho são o expressionismo abstrato, o informalismo, além das influências do surrealismo e o neo impressionismo. De que forma se deu esse início nas artes e qual o papel hoje tem em sua vida o fazer artístico?

Olá.
Posso dizer que surjo nos primórdios de artista plástico em finais de 2009. Já antes escrevia alguns poemas e letras de músicas e por vezes criava uma imagem na minha cabeça sobre esse mesmo poema/letra. Foi a partir daqui que dediquei-me mais à exploração na pintura, dentro do que era possível desenhar e pintar, influenciado também pela filosofia que já lia, como Nietzsche, Schopenhauer, Sartre, ou mais propriamente o Niilismo e o Existencialismo contemporâneo. As influências estilísticas na pintura foram em primeira instância o surrealismo e algum conceptualismo, obras como a “Tempestade Existencial” e o “Espantalho” abordam claramente a influência surrealista e conceptual. Lembro-me também de ter pintado um quadro como um crucifixo num terço afundado num lago (risos) o qual foi vendido pela pessoa achar “é muito bonito para o quarto da minha filha”. Mais tarde optei por experimentar algo mais abstracto e “espontâneo” em que se destacam nomes do expressionismo abstracto americano e do informalismo (tachismo) europeu. Nomes como Jackson Pollock, Emilio Vedova, Georges Mathieu, Pierre Soulages. A espontaneidade do gesto e do “dripping” substituem o desenho e permitem à posteriori criar a forma. O Neo-expressionismo como influência surge para complementar o conceito com a abstracção, devido a este mesmo ter influências do surrealismo, abstracionismo e expressionismo, de uma forma mais livre e errática, mas com significado psico-social emergente. Neste momento tento não pensar demasiado em seguir estilos artísticos pré-estabelecidos, mas sim criar o meu próprio. Sei que me situo entre o expressionismo abstracto e o informalismo com algo mais em que as influências e referências são apenas isso mesmo. O indivíduo como agente interveniente no processo criativo “é mais que a soma das partes.” Posso também acrescentar que o meu interesse e exploração na pintura é autodidacta, uma descoberta.


2-  Como anda a cena artística e cultural de Portugal e mais especificamente em Seimbra, vila portuguesa pertencente ao Distrito de Setúbal?

Em Portugal a arte é vista como um negócio, um investimento, um materialismo em que por vezes possui significado e valor metafísico. Existem vários tipos de artistas, desdes os formados em Belas Artes como alguns artistas autodidactas e outros artistas mais virados para o artesanato e artes decorativas, em que todos competem e podem cooperar pelo mesmo: Ter destaque no mercado, divulgar o seu trabalho e nome e comercializarem a sua obra.
A vila de Sesimbra é uma pequena vila piscatória, sua etnografia é mais direcionada para o artesanato da prática piscatória. Existem sim, exposições de artistas plásticos mas poderão não ter a devida atenção devido ao próprio meio cultural não valorizar de forma correcta. Setúbal por ser capital de distrito já se torna um meio mais urbanizado e eclético com serviços que permitem uma maior divulgação e valorização das artes plásticas.

3- Você diz que "viver é explorar e experimentar". Por quais materiais se utiliza para criar seus trabalhos nas artes visuais?

O suporte que utilizo habitualmente é tela ou papel, tinta acrílica e spray esmalte. Normalmente faço uso da técnica mista, o que me permite criar diversas texturas, efeitos na reacção entre os tipos de tinta, pincéis, trinchas, água… 
Na maior fase de experimentação cheguei a usar cera de velas, cimento, tinta texturada, pedras, papel colados na tela, tinta de óleo…inclusive pegar fogo (risos). 


4- Você disse em um texto que tem como meta formar em psicologia clínica, se especializar em psicopatologia e "navegar na psiquiatria". Em suas obras estão embutidas muito dos conhecimentos de psicologia nos conceitos de Percepção e Projeção. O surrealismo mesmo se embebedou nas conquistas freudianas. De que forma seu trabalho artístico perambula por tais temas?

Sim, sou capaz de ter dito algo sobre a minha formação e planos na área da psicologia. 
Vejo a arte como a expressão artística do sujeito.
A expressão dos seus afectos, conceitos e proporciona a este mesmo uma catarse, a libertação do seu conteúdo afectivo através da projecção (mecanismo de defesa psicanalítico de Freud).

Apesar da psicanálise estar ultrapassada devido às abordagens da psicologia posteriores (como a abordagem cognitivo-comportamental e a neurociência) o mecanismo da projecção é presenciado cientificamente nos sujeitos.
 A percepção é um processo psicológico que permite interpretar o mundo e a realidade externa através dos sentidos que a focam e o cérebro interpreta essas informações internamente. A psicologia da Gestalt (forma em alemão) estudou bastante o processo de Percepção o que permitiu definir que percepcionamos através de leis como: A figura fundo, semelhança, continuidade, pregnância… Para além disto, estudou-se que o ser humano quando nasce, tem a capacidade inata de percepcionar o rosto humano (imaginemos um círculo, dois pontos para os olhos, um traço vertical para o nariz e um traço horizontal para a boca). 

Durante o meu processo criativo existe esta relação entre projecção-percepção. Posso começar directamente com a espontaneidade do gesto e “action painting” e mais tarde definir as manchas de forma mais concreta e “objectiva”. A mancha de tinta poderá dar lugar a objectos, formas, sujeitos, animais… tudo conteúdo projectivo e percepcionado interna e externamente. 


Não me posso definir como discípulo de Freud, até porque estou mais direcionado pela abordagem cognitivo-comportamental e neurociência, mas podemos sim dar importância aos estudos de Freud e Jung no inicio do surrealismo e expressionismo abstracto na escrita automática, os arquétipos e todo o processo criativo de expressão entre e pelos estados da consciência.



5- livros e autores que recomenda.

Qualquer livro que permite ao sujeito expandir, abrir horizontes ao seu conhecimento, reflectir e questionar sobre si próprio e aos outros.
Desenvolvimento intelectual, e neste contexto existe a panóplia de livros de conteúdo psico-bio-social. O meio influencia a natureza do próprio artista, é aqui que se deve dar o insight.
Pessoalmente prefiro, Nietzsche, Sartre, Bruce Lee (filosofia), António Damásio, Albert Camus, Dostoievski, Fernando Pessoa e seus heterónimos, Chuck Palahniuk (Fight Club) entre outros. São excelentes referências que permitem um olhar curioso e profundo sobre a condição humana. 
De resto, livros sobre artistas e biografias são sempre bons para matar alguma curiosidade e talvez influenciar o processo criativo nas artes plásticas.


6- Você expõe seu trabalho em vários países. Como se dá o diálogo com outros artistas?

Em 2012 participei num concurso em Itália, mais propriamente Gaeta (Gaetart 2012) em que consegui ganhar o concurso. O facebook é uma excelente ferramenta para o diálogo entre artistas, instituições, associações, galerias e permite também divulgar as nossas obras através de grupos e páginas. Por sua vez permite também criar e divulgar movimentos artísticos como o caso do movimento Internacional Multicultural NEUTRAL-ISM fundado por Francesco Perilli com um representante por nação (neste momento são mais de 50 nações associadas ao movimento) o que permite criar exposições internacionais pelos elementos do movimento. O diálogo entre artistas dá-se virtualmente e se possível, pessoalmente, na troca de ideias e planeamento. 

7- As artes visuais  interagem e interferem no processo de educação de uma sociedade? Fale sobre.

Na minha opinião (sendo isto somente uma opinião), as artes visuais interagem e interferem no processo de educação de uma sociedade, mas, poderão falhar por carecer de intermediário na explicação da obra de arte em si.
Visualizo mais o uso das artes visuais como um processo de desenvolvimento criativo, permitindo uma melhor dinâmica nas áreas de pensamento, raciocínio e linguagem no sujeito que cria (artista) que por sua vez poderá explicar o seu trabalho ao público (apesar do público observador também poder interpretar a obra (seja esta vídeo, escultura ou pintura de forma pessoal e subjectiva). Sendo uma forma de expressão e narrativa, de conteúdo variado que permite informar e reflectir os sujeitos.



8- E seu trabalho no campo da literatura?

O meu trabalho no campo da literatura passa neste momento por pequenos poemas escritos aleatoriamente sem nenhum objectivo definido. Acho que posso dizer que são um escape ou uma brincadeira projectiva (risos) na criatividade. Normalmente surgem como um devaneio em versos curtos, herméticos, com metáforas em que os temas nas estrofes se misturam de forma a finalizarem um possível tema principal. Sou influenciado pela poesia pós-moderna em que citam-se autores como Fernando Pessoa, Antero de Quental, Mário Sá Carneiro, José Régio… nomes marcantes do jornal/revista portuguesa Orpheu, da segunda década de 1900.
Contudo, tendo em conta que temos sempre o mundo em crise, retornamos sempre à condição humana no cenário social: Guerra, fome, doença, vício, “loucura”,crime, morte… A negatividade.
São estes os temas que me “permitem” criar.

9-  Epitáfio.

" transgressão do informalismo e expressionismo abstracto"

10 - Fale o que quiser.

Cada artista é um indivíduo. Sendo o artista um individuo, deve então explorar ao máximo o seu potencial criativo e libertar-se das normas que o amarram. Já dizia o Einstein que a imaginação não possui limites e que a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho inicial. É necessário experimentar e errar. É este o processo de aprendizagem inato do ser humano. Nascemos providos de um sistema nervoso que é a melhor ferramenta para a nossa sobrevivência e desenvolvimento, e devemos usá-lo, exercitá-lo. A repetição e a estagnação são a morte do artista, são a morte do individuo como principal agente criador. 
Na vida já temos o meio social que transgride a nossa liberdade. É na arte e criatividade que poderemos ser totalmente livres.
O termo pintor, artista plástico são da mesma forma rótulos normativos que poderiam ser transmutados a uma só palavra genérica como: Criativo.
É normal que pessoas que pintam (sejam artistas ou não, sendo isto outro termo académico) possuírem traços de personalidade (como o traço de abertura à experiência) o que as permite explorar diversas formas de expressão como a pintura, música, desenho, escultura, culinária…
Uma pré-formação não é uma má escolha, mas quanto maior e diverso o conhecimento, mais rico e integro é o artista na sua arte. Repito, “A repetição e a estagnação são a morte do artista (…) “
A repetição e a estagnação são a morte do ser humano.
João Pedro Marques
Página facebook: www.facebook.com/jpmarts
Blog: www.jpmarts.tumblr.com

Instagram: https://www.instagram.com/jpm_arts0/


Um comentário:

  1. Muito bom ! Adorei conhecer o trabalho do João e entender melhor como funciona o seu processo plástico-criativo. Desejo vida longa ao blog! Que venha muitas entrevistas pela frente.

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